Associação dos Sem Carisma #136
Uma firma muito unida
Nós aqui da Associação dos Sem Carisma pecamos em carisma, mas não em profissionalismo.
Este time de trabalhadores está aqui, toda semana, criando arduamente para o seu bel-prazer e entretenimento. É a nossa vocação. É o nosso compromisso.
Conheça os funcionários desta firma.
Você vai até o fim?
Por Camila Fremder
A série começa e lá pelo terceiro episódio, você sente que não decolou, não prende mais a sua atenção. A trama ficou confusa, os personagens fracos e seus motivos sem sentido. Você pode simplesmente encontrar outra série ou desligar a TV e fazer outra coisa. Mas eu não, eu não consigo. Eu sou do tipo que não só vou até o fim, como também reclamo sem parar a cada novo acontecimento na história. "Ah, nossa, jura que ninguém te viu atrás desse carro?". "De novo vocês vão recorrer ao veneno? Que criativo….". E reclamando sem parar eu vou até os créditos subirem.
A mesma coisa com livros. Viro as páginas bufando, Codré já se liga e começa a me perguntar se tá ruim. Do meio pro final eu bato boca pesadooo! Quando passo por uma parte que não é tão ruim ainda dou sermão, "Tá vendo como você é capaz? Aqui sim, essa parte você mandou bem, mas não pense que eu esqueci aquele diálogo sem sentido na mesa de jantar!". As últimas 15 páginas são uma verdadeira tortura, mas em algum lugar eu sinto que teve um esforço e uma união de várias pessoas pra aquilo acontecer, seria injusto da minha parte não ir até o fim, não seria? Eu sei que mais chato do que ser assim é acompanhar alguém que é assim. Por isso, perdão, Codré.
E o tal do mundo não se acabou
Por Isabela Reis
Duvido que só eu passei a semana com o tema ELEIÇÕES berrando quietinho lá no fundo da minha cabeça. Mas como berrando e quietinho ao mesmo tempo? Pois é, juro que foi assim. Ao mesmo tempo em que mal falei sobre o assunto (ainda tem algo a ser dito?), tudo que eu fiz ou tentei fazer foi interrompido por um "falta pouco".
Essa semana foi carisma negativo. Já não tenho muito, né? Mas a sensação de exaustão mental bateu forte aqui. Acho que ainda não consegui digerir que o inferno em que vivemos durante os últimos quatro anos está prestes a acabar. Eu tenho certeza absoluta de que o Lula vai ganhar ou agora, ou daqui a quatro semanas. Beleza. Não tenho qualquer medo de uma reviravolta. Não mesmo. Não estou apreensiva ou tensa. Mas ainda assim, algo murchou e se introverteu dentro de mim nos últimos dias.
Parece que nessa reta final ficou ainda mais difícil falar o óbvio. Ter que defender democracia? Medo de sofrer violência política? Ir ou não votar de camisa vermelha? Virar voto? Ainda preciso virar voto depois de tudo que vivemos? Meu deus, que pesadelo é chegar a essa altura do campeonato ainda tendo que reverberar tantas obviedades. Que chatice do caralho, eu só quero pensar em outra coisa!
Eu nem lembro mais como é a sensação de não ter um terror político na cabeça e embaçando todos os pensamentos e planos 24h por dia. Como deve ser viver sem ter o fantasma de um governo golpista ou genocida invadindo nossa mente o tempo todo? Eu estou muito curiosa pra descobrir como é essa sensação que esquecemos faz tempo. Acho que meu silêncio dessa semana é uma despedida. Uma ansiedade sufocante pra virar a última página que falta e mandar esse livro pra puta que pariu.
Eu não aguento mais falar sobre isso. Eu só quero acordar segunda-feira em um outro país.
Acho que é isso. Estou, silenciosamente, me despedindo desses anos de medos de todos os tipos: de covid, de violência política, de agressão, de abandono, de genocídio, de epistemicídio, de retrocesso, de doses cavalares de ódio. Catei no dicionário que medo é o “estado emocional que se expressa no indivíduo perante uma situação de ameaça inesperada”. Eu não aguento mais o sobressalto permanente que é viver sob ameaça. Sinto medo por mim, mas especialmente por pessoas que eu amo, valorizo e que correram tantos riscos nos últimos anos.
Foi Conceição Evaristo que disse: “Eles combinaram de nos matar, mas 'a gente combinamos' de não morrer”. Eles juraram que iriam acabar com todos nós, quem acabou foram eles.
Chega. Acabou.
Acabou, Bolsonaro. Você não é presidente mais.
Se quiser falar de amor, fale com a Bebetinha!
Por Bertha Salles
Nessa semana o meu texto vem acompanhado de uma dica de filme que me tocou muito nos últimos dias, o drama C'mon C'mon, disponível no streaming do Prime Video.
O filme começa retratando o trabalho de Johnny (Joaquim Phoenix), um jornalista que entrevista crianças imigrantes pelos Estados Unidos perguntando sobre os sonhos delas e as suas perspectivas de vida.
Quando, de repente, ele recebe uma ligação da sua irmã, Viv, com quem ele não tem uma relação muito próxima, pedindo para que ele vá para Los Angeles olhar o seu filho enquanto ela precisa ajudar o pai da criança, que está enfrentando problemas psiquiátricos.
Tranquilo, né? RS
A partir daí, começamos a observar o desenrolar da relação desse tio com o seu sobrinho e a busca pela intimidade e entrosamento entre os dois.
Jesse, o sobrinho, tem 9 anos e é doce, mas está passando por uma situação difícil e confusa.
E é aí que tudo me pegou.
Pensei muito sobre as minhas emoções quando eu tinha só 8 anos e meus pais se separaram de forma abrupta e traumática. Como que um serzinho tão pequenininho consegue lidar com essas situações e rompimentos dentro de casa, com os seus pais, que são o seu símbolo de segurança e confiança?
Como a gente expressa e organiza tudo isso em um mini corpinho e mini cabecinha?
Através de Jesse, interpretado pelo pequerrucho e maravilhoso Woody Norman, eu me vi tentando comunicar e lidar com uma caralhada totalmente descaralhada, rs, de emoções para os adultos à minha volta.
Só que é muito maluco observar isso de fora agora, adulta, depois de mais de 12 anos de terapia também (sempre importante falar, né naum), porque os adultos à nossa volta, que entre todas as aspas deveriam saber lidar com essas situações e dar suporte a essas crianças, também não foram preparados e muitas vezes não sabem como lidar e seguir. Quando a gente é adulto, na maior parte do tempo a gente só tá fingindo que sabe o que tá fazendo, kk, quando na verdade estamos só o meme do John Travolta.
E aí a gente só quer ser criança, poder gritar, fazer birra, chorar, porque também não estamos entendendo nada, mas você olha para o lado e tem um serzinho titiquinho ali, que está contando com você para conseguirem passar por isso. E assim a gente segue.
Assistir a esse filme foi dar um abraço na minha criança, e também em mim adulta.
Os reais serial killers
Por Taize Odelli
Eu queria escrever um texto para desopilar nesses dias pré-eleições, porque a gente já tá nervoso demais, né? O problema foi eu ter começado a assistir Rota 66, série nova do Globoplay inspirada no livro do Caco Barcellos. E aí me veio um negócio, um pensamento, uma reflexão: com tanto serial killer gringo por aí, a gente ignora os serial killers da nossa polícia.
Na história que o Caco Barcellos escreveu (um daddy, muito bem representado pelo GOSTOSO do Humberto Carrão), ele expõe a violência de um grupo de policiais da Rota de São Paulo que basicamente tem licença para matar. Matar pobres e, principalmente, negros. Tudo com aval dos militares, tudo acobertado por eles.
A série choca ao mostrar isso, em denunciar como eles executam de forma tão rápida gente que só estava ali existindo no lugar errado e na hora errada. Isso lá nos 1980, ainda com a ditadura rolando. Ditadura essa que formou muitos agentes que, depois nos anos 1990, mataram mais pessoas. Ditadura que, até hoje, reverbera dentro da formação desses profissionais. "Serial Killers Profissionais".
Aí fiquei pensando em como todo esse conteúdo true crime que a gente vê nos filmes, documentários, séries, essa exploração dos casos famosos de serial killers, nunca falam das mortes provocadas pela PM, né? Não tem vídeo sobre o que a Rota fazia naquela época, ou que mostre os assassinos da ditadura que nada mais eram do que… praticados por serial killers. Um serial killer institucionalizado, organizado e protegido pelo próprio sistema policial.
E, claro, não tem nada também sobre os serial killers de hoje. Porque essa tradição violenta continua. Todos os dias. "Ah, mas existe policial bom". Sim, existe policial bom, existe político bom, existe publicitário bom, até. Mas o foco não é o individual, é o sistema e a cultura da violência que, pasmem, ameaça os bons.
Aí fica mais aquele apelo, mais aquele aviso sobre o que vamos fazer neste domingo: votar certo, votar em quem olha para esses problemas e quer combater esses problemas. Que coloca a própria vida em risco ao denunciar e cobrar. Ir, aos poucos, tirando do poder quem apoia as armas, a violência, o racismo. É a única esperança que temos.
Ps.: Dando um Google e uma pesquisada no YouTube, encontrei apenas histórias sobre assassinos que eram ex-policiais. Só pra deixar registrado. Quanto aos que ainda estão na polícia? Olha, não encontrei…
Para ouvir enquanto aguarda a vitória
É Nóia Minha?
Quinta foi dia de #TBT com quem? Com Cansei de Ser Sexy! Vem ouvir.
Calcinha Larga
A convidada mais aguardada deste podcast veio aí: vem ouvir Déia Freitas lá no Calcinha.
Ppkansada
Hoje as ppkers recebem o maravilhose Julio Victor, o Juvi, para uma Batalha de Constrangimentos. Dá o play!
Conselhos Que Você Pediu
Nossa Isabela Reis falou sobre carga das tarefas domésticas não divididas, e você precisa ouvir.
Santa Reclamação de Cada Dia
E a nossa Taize Odelli reclamou sobre gente que fala merda e põe a culpa das críticas nos outros. Vish.
O CARISMA VAI VOLTAR
Hoje nos despedimos com a certeza de que, neste domingo, quando cair a tarde e estivermos nos aproximando da hora da depressão do fim de semana, nosso carisma vai se renovar. Estaremos rindo e chorando e se abraçando e festejando. São esses os nossos votos.
Votem, se cuidem, cuidem dos seus, faz o L, mete o 13 e comemore.
13 beijos de batom vermelho,
Camila, Isabela, Bertha e Taize
eu só estou muito triste depois dessa edição por descobrir que bruno porto é hétero (curioso pra saber quantos gays & bis vão chegar com essa mesma surpresa). decepção não mata, mas ensina a viver né
O texto da Bela me pegou muito, apesar da leitura atrasada, acabei lendo depois das eleições. E uma série de perguntas me levaram ao nocaute na segunda-feira após as eleições: como depois de 700 mil mortes? falta de oxigênio? virar voto de quem? quais argumentos seriam eficazes quando nem o terror desses últimos 4 anos foi suficiente? E assim passei seguintes 24 horas com um misto de tristeza e terror e acordei desejando ir embora para outro lugar num passe de mágica, um lugar onde eu não precisasse viver com o sentimento de que não há mais nada para ser feito.